sábado, dezembro 27, 2008

Panapaná

"Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante."
(Pablo Neruda)


Hoje eu acelerei o meu processo de morte. Mas a aceleração ainda é inconstante. Em determinados momentos eu quero correr o mais rápido que posso. Até olhar pra trás, ver o quanto tropecei e deixar o medo diminuir a velocidade.
Ahh, a chuva incessante...
A aceitação da derrota parece se fazer necessária para que se inicie outro jogo com chances de sucesso.
Mas se até a derrota se mostra atraente, o que dizer do jogo em si?
Fato é que se essa chuva serviu pra alguma coisa, amanhã será outro dia.
E se não me faço entender, é porque as borboletas no meu estômago estão a se estranhar, pois as recentes chuvas de verão trouxeram novos ares e movimentos.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

deVERAs

Andei pensando sobre o Pedro Segundo ultimamente, e a conclusão inevitável a que chego é que me enganei um pouco na minha primeira análise. Não me levem a mal: de fato ainda acredito que é um dos melhores colégios que já tive a oportunidade de conhecer internamente, mas não acredito mais que a formação dos alunos seja a que tenho por ideal. Na verdade não conheço um colégio que a alcance, a não ser aquele que crio todos os dias no logos (ops, desculpem o filosofismo). O fato é que acredito de verdade em uma formação política, acredito em um ambiente que permita de verdade aos estudantes lutarem pelos seus direitos ou o que eles acham que são seus direitos, ou simplesmente pelo que eles acham certo, mas não sei se acho mais interessante o que vejo no Pedro Segundo.
Apedrejem, mas não sei mais se educar deve necessariamente significar transformar crianças em adultos – como acontece. Não sei mais se é tão necessário assim à juventude colar os pés no chão (mesmo que sonhando ainda) e transformar-se numa legião de heróis, possíveis mártires ou o que sejam esses superdotados criticamente. Não sei mais se os sonhos mais fantasiosos de cada um (sei lá, se tornar um pirata, voar, ser o rei das pistas de dança, tornar-se um justiceiro noturno ou qualquer coisa “boba” assim) devem ser colocados em segundo plano em relação às lutas políticas travadas dentro e fora da escola. E o pior – que a participação ativa nessa esfera política seja considerada obrigação a qualquer pessoa que se diz mais do que massa.
Acho que – e não estou com isso dando passos no sentido contrário do curso da filosofia, pois a concepção de filosofia simplesmente como crítica é tão pobre como bastante ignorante filosoficamente – não precisamos tanto (ou de tantos) críticos. Uma autocrítica já é muitas vezes o bastante, e quem somos nós pra achar que temos responsabilidade pelo mundo em que vivemos? Quem foi que colocou na cabeça de cada um que se todos não se mobilizarem vamos ser explorados e destruídos? Por que todos ainda acreditam que devem esquecer (ou sub-estimar) quaisquer outras vontades em prol de uma luta que não precisaria ser travada se a mentalidade do ser humano desde a gênese fosse diferente?
Enfim, não estou criticando a vontade de mudar o mundo que todos nós temos, muito menos a necessidade que o país tem de pessoas certas para que essa mudança aconteça, e menos ainda a militância dos jovens (em especial do Colégio Pedro Segundo) nessa luta, mas acredito que uma escola precise fazer de seus alunos ainda mais. Precisa fazer com que, ao mesmo tempo que se tornem adultos, continuem sendo também crianças.
Os alunos do Pedro Segundo precisam falar um pouco menos da Vera e falar um pouco mais do Verão.

domingo, dezembro 21, 2008

Agora que não há mais preocupações escolares e relacionamentos pendentes, me deparo com o vazio.
O fim talvez tenha dessa sensação. Essa cara de "então era isso?".
A gente se mata por 355 dias (por enquanto) e enfim, era só esse o momento tão esperado. Assim, sem nenhum frenesí. Sem expectativas, sem almejos, sem ânsias, sem esperanças.

Quiçá seja reflexo dos contos de Machado de Assis que li hoje.
E definitivamente não sou a melhor pessoa para versar sobre o vazio. Eu nego a sua existência em mim. E não sei falar do que não se me é.

É a "nostalgia da lama".
É a necessidade de uma cartomante.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

um texto não-autobiográfico:

Toda forma de arte é, inevitavelmente, biografia (bios + graphia). Não é possível a nenhum ser vivente experimentar mais do que a própria vida. Não estou a dizer que só se expresse artisticamente aquilo que se experimenta pelos sentidos, isso seria rebaixar a arte à uma fotografia do mundo, pura representação. Acredito, sim, que arte seja essencialmente criação, mas novamente caimos naquela situação: se é realmente possível criar algo, só se pode criar vida, visto que nada se pode criar que já não seja no ato de vir a ser. A não ser que essa coisa seja a própria morte. Mas deixemos essa ideia de lado por ora, admitindo precariamente que a morte, em si, é ainda vida.
Seguindo esta linha de raciocínio então, ao admitir que toda grafia é biografia e que tudo que se diz (seja qual for o modo desse dizer) é o que se tem acesso - e sabendo que só temos acesso às nossas próprias experiências (sensações, sentimentos, pensamentos), ainda que passadas ou inconscientes; isto logica, filosofica e cientificamente -, tudo o que se pinta, esculpe, escreve, compõe, executa, capta em filme ou, para agrupar, toda e qualquer criação de sensações, ou seja, artística, é nada mais que uma exposição de nossa própria vida.

Toda arte é autobiográfica.

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terça-feira, dezembro 09, 2008

"Caracteriza-se por um padrão de relacionamento emocional intenso, porém confuso e desorganizado. Reconhecem sua instabilidade emocional, mas para tentar encobri-la justificam-nas geralmente com argumentos implausíveis. Seu comportamento impulsivo freqüentemente é autodestrutivo. Não possuem claramente uma identidade de si mesmos, com um projeto de vida ou uma escala de valores duradoura, até mesmo quanto à própria sexualidade.

Embora geralmente possuam uma auto-imagem de malvados, podem, por vezes, ter o sentimento de não existirem em absoluto. Tais experiências habitualmente ocorrem em situações nas quais sente a falta de um relacionamento significativo, carinho e apoio.

Experimentam intensos temores de abandono e raiva inadequada, quando um cuidador ou amante é visto como negligente, omisso, indiferente ou prestes a abandoná-lo, mesmo diante de uma separação real de tempo limitado ou quando existem mudanças inevitáveis dos seus planos (por ex., pânico ou fúria quando alguém que lhes é importante se atrasa apenas alguns minutos ou precisa cancelar um encontro). Podem acreditar que este "abandono" implica que eles são "maus". Esse medo do abandono está relacionado a uma intolerância à solidão e a uma necessidade de ter outras pessoas consigo.

Podem exibir extremo sarcasmo, persistente amargura ou explosões verbais. A raiva freqüentemente vem à tona . Tais expressões de raiva frequentemente são seguidas de vergonha e culpa."

sexta-feira, dezembro 05, 2008

locus urbem, fugere amoenus e churros

Adoro essa sensação de cidade. De poder correr sem usar as pernas, de não tocar o chão sem asas.
Não sei se fugir pro campo é sempre a melhor opção. Claro que não nego o prazer de andar descalço e tocar a terra tanto até sentir-se como de fato dela. Menos ainda ouso negar o frenesi que me causa ao reparar que um animalzinho rupestre qualquer é feito da mesma carne e osso, sensações e sentimentos (sim, eu acredito. não, não sou vegan.) que nós.

Mas e a praia? Parece pra muitos ser o local mais distante da cidade na cidade.
Hm.. na praia só o mar me agrada. Mas mesmo assim ainda tenho a sensação de que o mar reprime todo seu potencial aqui.
O mar pra mim é bem mais violência, mais incontrole. O mar só é mar de verdade quando na ressaca.

Um pouco Laranja Mecânica isso. Talvez seja. Assim como o mar, todos precisamos praticar (ou então revidar) a ultraviolência que nos atinge a todo momento. Ou vice-versa. Ou não.
Temos todos direito (e dever) de ressaca. Talvez não a ressaca dos olhos de Capitu. E nem sempre desconsiderando a ressaca das Idéias Íntimas de Álvares de Azevedo.
(Perdoem as reflexões acerca da prova de literatura em momento inadequado.)

Fato é que hoje, como ultimamente sempre, tenho admirado carinhosamente os pequenos prazeres.
Do açúcar cristal com canela e doce de leite ao encantar de um timbre novo de voz.
Ah! Se ao menos hoje eu não tivesse olhos? Teria sido mais feliz?
Talvez apenas hoje eu tenha visto e esteja fazendo ode à já velha novidade de sempre.




p.s.: Fui numa plenária, comi um churro (porque 'churros' é plural) e passei de ônibus por baixo do viaduto da Leopoldina enquanto passava um trem em cima.
p.p.s.: Nem revi o texto, fiz no ônibus, foda-se. Só lembro que tá cheio de palavra repetida. :P

terça-feira, dezembro 02, 2008

Terceira Lição

Ela toda noite podia jurar ouvir barulhos. Cada noite o barulho se fazia ouvir mais e mais alto, e ela já estava a imaginar monstros ou algum dos personagens dos seus pesadelos pueris. Mas permaneça (?) calmo, bom (?) leitor, este conto que lhe salta às vistas, apesar do visual escuro em que se encontra, não é um conto de terror. Na realidade é o oposto disso, como se verá. De volta ao ponto em que deixamos a garota sozinha no quarto (e ainda bem que ela não o soube, pois o pavor agravaria), os pais viajaram: péssima hora para um monstro do armário surgir. Já ouvia aquele barulho há umas duas semanas pelo menos, e se algo fosse surgir, que esperasse mais uns dias.
Dormiu, enfim. Ou não. Não saberá dizer amanhã.

Uma sombra se esgueira pelo carpete e alcança os lençois estampados de figuras da Betty Boop. Sobe, arrasta-se pela cama, num movimento quase sexual, mas apenas para tocar-lhe o rosto. Como se pudesse sentir tátilmente a sombra, ela abre os olhos e com estes encontra o demônio que se põe de pé no centro do quarto, sério, ou ao menos é o que pode-se ver da boca sob o farto bigode. Leva na mão um exagerado guarda-chuva, apesar de lá fora estar seco o tempo. Ele não espera que ela diga nada, mas fica em silêncio ainda alguns momentos. Depois, fala.

"Hei de dizer-te, criança, a sabedoria que poucos têm. Sabes que um velho sábio percorreu toda a extensão do mundo antes de poder alcançar este conhecimento? Mas, observa, to darei em alguns poucos segundos. Pois saiba que esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!"

Fala essas exatas palavras, depois espera a reação da menina enfiada nas camisolas.
Ela a princípio sente vontade de amaldiçoá-lo, por proferir tais amargas palavras. Sente-se presa, atrelada a um universo inútil: perde a vida o sentido no momento em que perde a vida a aleatoriedade. Só há um caminho!
Mas logo ela, ainda imóvel, observada pela figura ainda também imóvel de guarda-chuva na mão, percebe o que veio lhe dizer o demônio por debaixo daqueles bigodes. Sorri.

Acordará, no dia seguinte, e não saberá dizer se dormira ou não, não saberá se sonhara ou não. O fato é que o barulho à noite cessará no quarto, mas permanecerá ainda nela. A partir de amanhã, a garota, diante de tudo e de qualquer coisa perguntará "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?".

A partir de amanhã, ela viverá.