segunda-feira, junho 22, 2009

Ela contraiu os lábios, a carne se dobrando em palavra. Ele tentou escutar, mas o som se dissolvia na chuva e escorria até o chão, não alcançando seus tímpanos cansados. Ele queria entender, entender as palavras, os gestos, Ela; queria entender por que as gotas da chuva não eram as únicas que escorriam por seu rosto marcado, fundo. Queria entender por que ela partia, por que pegaria o próximo trem e o deixaria só na estação, esperando sabe-se-lá-o-quê, com um buraco no peito e um vazio enorme nos olhos.
Ela queria saber por que Ele não entendia, queria também explicar que não era Ele, não, era Ela que não conseguia ficar presa num só lugar, numa só vida. Dizia então que queria ficar, mas que ficar lhe feria dentro-fundo, que era feito pássaro, nascera para voar.
Mas a chuva batia forte no chão, ensurdecedora, deixando todos os Porquês dela pairando no céu de nuvens negras e todos os Por quês dele vagando soltos por entre os pingos gordos de água gelada, à medida que Ela subia no trem e se afastava da estação cinza e Ele vasculhava o bolso do casaco de couro surrado, a procura da chave do carro.